Dia 10 do 10 de 2010 foi um dia que guardarei por toda a minha vida.
Esse post provavelmente vai ficar muito grande, mas preferi contar tudo de uma vez só, pra tentar passar pelo menos um pouco de tudo que eu senti nesse dia tão especial pra mim.
A história que vou contar começou antes, no dia 6 , quando havíamos decidido viajar neste fim de semana e começamos a procurar lugares para ir. Combinamos de viajar mais pra perto e de não ter muitos gastos na viagem, assim, várias idéias foram surgindo. Mas nenhuma causou um impacto tão grande como a do Bruno.
Eu estava no meu quarto quando ouvi ele gritando pela janela do sétimo andar, coloquei a cabeça pra fora pra ver o que ele queria e me lembro bem quando ele ouvi: “Yuri! Achei uma loja que aluga moto aqui em Lyon!”. Falei pra ele subir aqui no quarto na mesma hora e me mostrar isso e à medida que analisávamos a situação víamos que era realmente possível. Já havíamos esquecido a viagem com o pessoal e após pegarmos endereço de duas lojas, combinamos de acordar cedo no dia seguinte e ir até as lojas ver como era o processo de locação.
Fomos à primeira loja sem muita esperança e apreensivos, pois achávamos que o fato de sermos estrangeiros poderia complicar alguma coisa. E a ansiedade só aumentou quando chegamos à loja e ela estava fechada, caminhamos até a outra, mas sem nenhuma explicação (Afinal eram 10 horas da manha de uma quarta feira) ela também estava fechada. Ficamos desapontados após ter imaginado quão massa seria se conseguíssemos alugar as motos.
Mas a gente é brasileiro e não desiste nunca. Voltamos para casa com os telefones das duas lojas, almoçamos e sem comentar com mais ninguém, fomos nos arriscar a ligar e conversar em francês pelo celular. Pra nossa alegria o dono da primeira loja atendeu, falei com ele e ele explicou que de manhã não conseguiu ir para a loja, mas que abriria a partir das 3 horas daquele mesmo dia. Esperamos o horário e fomos mais uma vez até a loja, contudo, dessa vez sabíamos que ela estaria aberta.
Já entramos na loja com um ar de apreensão, e graças a Deus, foi ainda mais fácil do que imaginamos. Tudo que precisávamos era do passaporte, ter carteira de motorista há mais de 1 ano e um comprovante de residência. Mostrei a carteira de habilitação brasileira e só abri o sorriso quando ele falou “Voilá! Pas de Problem!”. Perguntamos se tinha motos disponíveis para aquele final de semana e ele nos mostrou as belezuras,eu já saí de lá namorando uma Kawasaki. Não reservamos nada e fomos embora para conversar e resolver o que faríamos. Ainda conseguimos ir à outra loja, mas todas as motos estavam alugadas até o fim do mês.
Voltamos para casa com a empolgação aumentando cada vez mais, e após conversar bastante, tomamos a decisão... Alugaríamos as motos para o domingo. Voltamos no dia seguinte com um pouco de medo das motos já terem sido alugadas, e dessa vez o Luiz foi com a gente, pois ele também se empolgou muito com a idéia.
Mas ao chegar à loja e ver exatamente três motos lá, eu vi que aquela viagem iria acontecer! Entregamos os documentos, pagamos a caução e fizemos a reserva. Daquele momento em diante, ninguém conseguiu mais dormir, pegaríamos a moto no sábado de tarde e só devolveríamos na segunda. Foi uma contagem regressiva que parecia não ter fim.
A partir desse momento, comecei a orar bastante para que nossa viagem fosse tranqüila e que nada de mal acontecesse. Não falávamos ou pensávamos em outra coisa até o momento de tirar a moto da loja. Passei o dia de sexta estudando os mapas e pistas do sul da França, decidi viajar até Grenoble e precisava saber pelo que iríamos passar.
Pois o sábado chegou... Saímos andando sem conseguir esconder a ansiedade e chegamos à loja para retirar nossos brinquedinhos. Foi muito legal esse dia, pois a minha moto ainda não havia sido devolvida pelo locatário de sexta, então o Daniel (Dono da loja) pagou um refrigerante pra gente e o pai dele me ensinou uma rota que contornava a estrada principal e passava por várias cidades pequenas do interior da França, a expressão que ele usava constantemente para essa rota era “Tré, tré Jolie!”. Segundo ele, a paisagem era incrível e tínhamos que fazer esse percurso de qualquer jeito. Anotei as dicas e quando me dei conta, minha moto havia chegado. A espera acabara e era a hora da verdade. Escolhemos nossos capacetes e subimos nas bixonas. Analisei toda a moto, do escapamento ao painel, admirando cada detalhe e orando sem cessar para que pudéssemos nos entender bem.
Coloquei a chave na ignição e dei a partida... Desse momento em diante, foi só alegria, o barulho que ela fazia era incrível e quando saí com ela pela primeira vez sentindo o torque do motor, pude entender a capacidade daquela moto. Estava em cima de uma Kawasaki ER-6N, moto de 650 cilindradas e fácil pilotagem.
Voltamos para o apartamento fazendo a maior festa, gritando um pro outro sem acreditar que havíamos conseguido alugar aquelas motos. Arrumamos-nos e saímos pela cidade para passear, afinal precisava conhecer a moto antes de pegar a estrada com ela. Fomos até o centro da cidade conhecendo ruas e vielas que de trainway nunca tínhamos visto. Comemos por lá e voltamos cedo, afinal no dia seguinte, teríamos muito chão pela frente.
Naquela noite eu quase não consegui dormir, tamanha a ansiedade que eu estava. Nem percebi quando o despertador tocou e eu só pulei da cama. Domingo havia chegado e eu estava pronto para pegar a estrada. Encontramos-nos para preparar uns sanduíches e repassar o briefing da viagem. Relembramos da responsabilidade de cada um e tive oportunidade de ler Salmos 121 com os mlks, um hábito que meus pais têm toda vez que vamos viajar e que adotei para mim mesmo. Terminamos tudo e marcamos de nos encontrar nas motos em 5 minutos.
(A partir de agora, se você tem um som disponível, leia os próximos parágrafos ao som dessa música:)
http://www.youtube.com/watch?v=tnB-dnJVlcs&feature=fvst
Fui até o espelho e me olhei fixamente, sabendo que aquele dia seria diferente. Havia alcançado um dos meus sonhos de vida e ainda não tinha me dado conta disso. Vesti minha jaqueta e peguei o capacete. Eu estava pronto, a ansiedade passara e graças a Deus estava muito confiante. Andei em direção a moto girando a chave no meu dedo, montei na Kawa e girei a chave na ignição, engatei a primeira e segurei a embreagem, rodei o pulso do acelerador e fazia música com o som que saía do escapamento. Fechei a viseira, me posicionei para pilotar, e finalmente, arranquei a moto rumo ao meu destino, minha viagem acabara de começar...

Saímos de Lyon e entramos na rodovia, a pista era perfeita, sem qualquer indício de buraco, com muitas faixas e muito bem sinalizada, nesse primeiro trecho pudemos esticar bastante com a moto e sentir um pouco mais da força das bixinhas. Aqui existem as rodovias pedagiadas que fazem valer cada centavo que se paga para rodar nelas e as rotas não pedagiadas que incrivelmente são tão bem conservadas e cuidadas como as pedagiadas. No nosso caminho de ida pegamos apenas rotas não pedagiadas, para podermos conhecer as cidades listadas pelo nosso amigo da locadora.
Pegamos a estrada em direção a Crémieu e começamos a contemplar um pouco da paisagem que teríamos pela frente, a pista que pegamos era beirada por várias plantações, com montanhas na vista do horizonte, andamos um pouco e passamos por um pequeno vilarejo, seguimos mais e avistamos a placa: “Crémieu (Cité Médiévale)”. Era uma pequena cidade com casas antigas e cuja atração principal era um castelo no alto de uma montanha que abraçava a vila.
Andávamos pela cidade bem devagar admirando o ar medieval daquele lugar e chegamos a um lugar onde estacionamos a moto e pudemos subir a pé uma escadaria que dava para o cume da montanha. A vista de lá era incrível e podia se ver toda a pequena vila daquele lugar. O Sol não incomodava e podia se sentir a brisa batendo de maneira agradável. Tiramos algumas fotos e descemos para pegar as motos e seguir viagem.
Saímos da bela vila de Crémieu e fomos rumo a Morestel. Nesse trecho, passamos num trecho onde dos 2 lados da estrada se viam enormes montanhas cheias de árvores bem verdes. Mesmo em cima da Kawa em que a vontade era de acelerar, a paisagem te prendia e te fazia querer aproveitar a vista por cada segundo que fosse possível.
Chegamos em Morestel e nesse dia estava tendo uma feira das maçãs hehe, a cidade estava bem movimentada e novamente passamos bem devagar pelas ruas de mais uma cidade francesa. Morestel era um pouco maior e o caminho para a próxima cidade era mais urbano. Mesmo assim não deixava de ser interessante, o caminho era mais curvo e o trajeto foi muito legal de se fazer com a moto, descendo e subindo ruas com casas de um lado e uma vista do horizonte do outro.
Após um curto trecho, chegamos a Aoste. Nessa cidade paramos apenas para avisar o pessoal de Lyon que estávamos bem. Peguei o GPS e tracei a rota para nosso próximo destino, o lago de Paladru.
Foi na rota para Paladru que tive uma das visões mais bonitas da viagem.Uma pista de mão dupla, cujo tanto do lado direito como do lado esquerdo havia um bosque cujas árvores eram tão altas que a luz do sol se concentrava em apenas alguns lugares, tornando possível ver vários feixes de luz separados batendo no chão. Acontece que as árvores se inclinavam e cobriam a pista, e foi aí que do nada, eu vi na minha frente uma região um pouco mais iluminada pelos feixes de luz, como se alguém tivesse colocado um holofote exatamente naquela parte da pista. Não bastasse esse jogo de luzes, na mesma região várias folhas secas caíam das árvores em volta formando uma espécie de chuva de folhas. Eu não consegui acreditar no que estava vendo. Reduzi a velocidade, ergui meu corpo sobre a moto e levantei a mão esquerda para sentir as várias folhas que caíam sobre o asfalto. Nem se eu quisesse imaginar, conseguiria pintar uma cena tão magnífica em minha mente. Infelizmente além dos mlks atrás de mim havia carro também e não pude ficar mais tempo em velocidade reduzida naquele trecho, mas o pequeno espaço de tempo que passei por ali serviu para ficar gravado na memória.
Chegamos então em Paladru e contemplamos mais uma linda vista, um enorme lago que levava o nome do local em que estava localizado, Lac du Paladru. Estacionamos a moto na beira do lago e decidimos que ali era o lugar ideal para almoçarmos hehe. Ficamos um bom tempo ali, comendo, conversando e apenas admirando a vista. Passado o tempo, arrumamos tudo e seguimos viagem, sem mais paradas rumo a Grenoble.
Pilotamos um bom tempo beirando o lago de um lado e uma enorme montanha do outro, mais uma vez sem palavras para explicar a grandiosidade da paisagem. Chegamos então em um cruzamento que dava para a rodovia principal e ligava direto para Grenoble. Pegamos a rodovia e foi nesse trecho que pudemos realmente sentir o poder das nossas motos. A pista continha 4 faixas para cada sentido e a reta era tão grande que não era possível ver o final. Fiquei atento nas placas para Grenoble e vi que tínhamos espaço.
Grudei as pernas na moto, inclinei o corpo para frente, abaixei a cabeça com os olhos fixos na pista a minha frente e juntei os braços junto ao corpo. Reduzi a marcha e fechei o punho direito!O mais incrível era que mesmo com o giro do motor lá em cima, a moto continuava a desenvolver. Indescritível a sensação e mais um momento que pude gravar na memória!
Rodamos 58 km nessa pista e vimos a placa que indicava Grenoble logo a frente. A cidade de Grenoble é grande, com vários centros comerciais, avenidas e ruas movimentadas. É a segunda maior cidade da região de Rhones-Alpes, perdendo apenas para Lyon. Fomos direto ao ponto turístico mais famoso da cidade, o Forte de La Bastilha. Para subir as pessoas usam um teleférico, mas descobrimos que tinha uma rota para quem quisesse subir de carro ou moto. Como estávamos de moto, porque não aproveitar hehe. Acontece que a rota era bem inclinada e subimos de primeira o morro todo, foi uma sensação de MotoCross em cima de uma ER-6N. Mas chegando lá em cima nos sentimos recompensados, a vista era linda e pudemos ter uma visão geral de toda Grenoble. Terminamos de comer os sanduíches que faltavam e descansamos um pouco ali em cima da montanha. Se pudéssemos teríamos cochilado fácil lá, mas ainda havia uma cidade que eu queria conhecer e ficava há apenas 20 km de Grenoble. Pegamos a moto, descemos a montanha e partimos rumo a Vizille.

O caminho até Vizille foi bem rápido e de todas as cidades que visitamos nesse dia, esta foi a que mais me impressionou. Fomos até o centro da cidade, procurando o Château de Vizille. Um imenso castelo que abriga o museu da revolução francesa e que dá acesso a um enorme (enorme mesmo!) jardim imperial.
Do lado de fora do portão do castelo, se vê uma cidade francesa normal, com prédios antigos, um carrossel, restaurantes ao ar livre e tudo mais, mas é no lado de dentro que a mágica acontece, assim que se passa pelo portão principal, você dá de cara com uma enorme montanha no horizonte e um jardim verde como nunca vi igual, com direito a um bosque, um labirintozinho de grama podada e tudo isso cortado por um córrego que percorre todo o local. Andamos pelo jardim de boca aberta com a beleza do lugar e depois fomos visitar o museu do castelo.
O museu era bem legal, com várias salas, quadros e esculturas que mostravam a história da revolução francesa. Uma cópia do quadro da morte de Marat estava lá e foi legal ver a imagem sem ser num livro de história hehe. Terminamos o passeio pelo museu e era hora de voltar para “casa”.
Estávamos cansados e já eram quase 6 horas da tarde. O bom é que na volta nós combinamos de voltar pela rodovia pedagiada. Subimos na moto e esticamos de Vizille até Lyon. Se na ida pudemos curtir a paisagem e aproveitar o passeio, foi na volta que pudemos curtir a moto que tínhamos e aproveitar a velocidade hehe. A rodovia possuía quatro faixas para cada sentido, e a velocidade indicada era de 130, o que significa que a velocidade média era de 140 hehe. Ou seja, andando a 140km/h você anda lado a lado com os carros daqui (E que carros!). Aproveitamos ao máximo a estrada que tínhamos pela frente e fizemos 108 km em 40 minutos. Foi sensacional hehe!
Chegando perto de Lyon paramos para comer numa lanchonete chamada Quick, que é tipo um McDonalds daqui. Ficamos conversando e rindo daquilo que tínhamos feito naquele dia. Comentamos as cidades, a estrada, as motos e todo aquele dia que passamos juntos viajando de moto. Terminamos de comer e voltamos para casa, cansados, mas mais do que satisfeitos de tudo aquilo que tínhamos vivido naquele domingo. Estacionei a moto e orei a Deus agradecendo por ter nos levado e trazido com segurança para nossa “casa”.
Se meu intercâmbio terminasse agora, poderia dizer que já valeu a pena.
Fui de uma cidade a outra, passando por bosques e montanhas, beirando lagos, cruzando ruas de pequenas vilas do interior onde a edificação mais alta era a torre da única igreja do lugar. Acordei hoje de manhã tentando acreditar se aquilo realmente tinha acontecido e só me dei conta de que não estava sonhando quando olhei pela janela e vi a moto estacionada lá em baixo
Pilotar uma moto poderosa, estar rodeado por paisagens estonteantes, sentir bater mais forte o coração ao ver o velocímetro de sua moto marcar 200 km/h são experiências únicas.
De todos os posts que fiz até agora, acho que esse foi o mais difícil de escrever, pois eu sei que não importasse as palavras que eu usasse, não iria conseguir transmitir nem um pouco do que estou sentindo em relação às experiências que eu vivenciei esse fim de semana.
Toda vez que falo pra minha mãe dos meus planos e sonhos ela me responde sabiamente com Tiago 4:15 que diz: “Ao invés disso, deveriam dizer: Se o Senhor quiser, viveremos e faremos isto ou aquilo”.
Eu não tenho como expressar minha gratidão a Deus por ter me permitido realizar esse meu grande sonho. Por várias vezes eu me peguei imaginando e sonhando com essa viagem de moto, mas mais uma vez, Ele me surpreendeu realizando muito mais daquilo que jamais sonhei ou pensei.
Se Deus assim permitir, daqui a alguns anos vou contar para meus filhos e netos a história do dia em que eu peguei uma moto e viajei pela França, contemplando as obras de Suas mãos, passando por cidades que nem estão listadas nos guias turísticos, mas que todos deveriam conhecer. Se o Senhor quiser, vou contar emocionado desse dia e falar...
Dia 10 do 10 de 2010 foi um dia que guardei por toda a minha vida.
Um grande Abraço!
Salut! Et au Revoir